terça-feira, 4 de setembro de 2007

Sociedade debate situação do seropositivo em Angola

Dados da Onusida divulgados o ano passado estimam para a existência de 400 mil seropositivos angolanos, com base numa prevalência de 2,5 por cento, dos quais 120 mil seropositivos precisam urgentemente de tratamento com anti-rectrovirais, quando recebem este tratamento apenas oito mil pessoas. Enquanto isso, não poucas vezes, ouvem-se queixas de atitudes de discriminação para com seropositivos em diversos campos.

Neste contexto, agendou-se para debate o tema “Situação do seropositivo em Angola”, para se discutir sobre a problemática da seroprevalência em Angola, apelando à sensibilidade das instituições estatais, sociais e pessoas colectivas e singulares, quanto ao apoio multiforme a pessoas vivendo com o VIH, moderado por Edmundo Francisco.

Para a Docente Universitária Natália Mahamba(NM), Psicóloga Clínica e Mestre em Educação Especial, “falar da Sida, nos tempos de hoje, diríamos que é muito mais problemático. Porque na verdade a Sida é uma doença que até ao momento a nossa medicina ainda vê como um problema crónico e que se faz acompanhar de bastantes repercussões negativas, pelas quais é preciso dar não só um suporte médico, mas sobretudo o psicológico. Porque, na verdade, de Cabinda ao Cunene já se fazem muitas buscas, muito socorro à volta da Sida, mas apenas na perspectiva médica. Na perspectiva psicológica ainda se faz muito pouco, porque ainda temos poucos profissionais na área. E por outro lado, porque os doentes e familiares também não conhecem esse outro tipo de tratamento, outra alternativa. Não vou dizer que tenhamos que optar por um tratamento ou por outro, mas, na verdade, esses dois tipos de tratamento, o clínico médico e o clínico psicológico devem fazer-se acompanhar”.

No entender do Padre Alberto Mandavili (AM), “a auto-discriminação dos seropositivos às vezes parte do contexto: não têm aceitação na família, no serviço, no convívio diário, a tal relação deixa muito a desejar e ficam à distância”, considerou.

Enquanto decorria o debate, a equipa de reportagem deslocou-se à vila piscatória da Baia Farta, 25 km da sede da província, para colher opiniões. Para o cidadão Francisco Tambu, professor, “a situação é preocupante, porque até agora há pessoas que vivem no obscurantismo e não aceitam que o VIH-Sida existe”.

Como se explica a ignorância quanto ao VIH-Sida, passadas várias décadas?

“Esta ignorância—responde NM —, eu poderia considerá-la no contexto daquilo que na literatura psicológica falamos que funciona como mecanismos de defesa”, referiu. De seguida acresce: “O portador do VIH-Sida emocionalmente ou na perspectiva psicológica vive aquilo que podemos considerar como já uma situação de luto. Porque se é uma doença crónica, o que é cónico praticamente nos conduz à morte e esta morte que, naturalmente, ainda não terá acontecido, no ponto de vista psicológico ela já está ali. E se é morte que se avizinha, se é morte que nos envolve, não obstante já estarmos num estado de luto, uma situação que passa por cinco estágios: a negação, a raiva, a negociação, o luto – que se acompanha de um quadro de depressão ou cisma – e o estágio aceitação.

E explica: “Na primeira reacção, a de negação, a pessoa diz ‘eu não; por que eu?’, e o doente recusa a aceitar que a morte está a chegar, e recusa-se a aceitar que o que o médico diz pode ser verdade. Já no estágio da raiva, o doente expressa inveja de quem não tem a doença, ressentimento – talvez pelo que tenha feito, e frustração face a pessoas saudáveis. No estágio de negociação, vive-se uma sensação de querer voltar atrás, a culpa, o mal feito (“se eu pudesse”) o paciente torna-se muito religioso e se calhar começa buscar várias seitas”.

É claro, um assunto na termina quando o debate se encerra.

Por ora, um conselho nacional: “Se antes nos escondíamos para morrer, agora nos mostramos para viver”

Pensar como Zungueira

Manhã de sol envergonhado, na periferia. Poucos meses faltam para o fim d’ano, o cacimbo dá lugar ao calor. Três mulheres distanciam-se cada vez mais do subúrbio, numa direcção ainda difícil de adivinhar para o observador por quem passam. “Bom dia, mano!”, saúdam em coro como mandam os bons costumes.

– Zungueira te sustenta, diz uma.

– Mulher kunanga é prejudicial, denuncia a segunda.

– É muito burro; não sabe que, quando sai, a mulher dele entra com outro homem em casa! – condena a terceira, trazendo à luz o motivo da conversa.

Uma delas leva às costas um bebé, que, tal como o observador, ignora positivamente se o passo semi-apressado é para findar apenas na paragem de Hiaces e autocarros, a dezena de metros, ou se a meta provisória é a estação de Comboio, a um quilómetro. Seja como for, o que é certo mesmo é que o mediático "Afrobasket" passa bem a leste das suas preocupações. Também, a lei da sobrevivência na city é clara: cabrito come papéis, pessoa come dinheiro. “Zungueira ou lavador de carros, não é de se ter vergonha”, já cantavam os outros.

Já agora com o fio da conversa em posse, o observador, que não passa de simples figurante nesta cena flagrante da vida real, segue discreto os passos das jovens senhoras, para perceber ainda melhor como pensam as profissionais da zunga. A curiosidade reside não tanto em “quem é ele?”, mas principalmente no “que se vende?”. Não levavam à cabeça baldes brancos, logo não podiam ser vendedoras de yogurte caseiro.

Vão na casa dos 24 anos, isso dependendo do ângulo de observação. O timbre de voz denuncia a juventude por detrás da velhice aparente. Na forma de vestir se via revelada a coabitação entre a idade cronológica e a responsabilidade social no contexto peri-urbano. Ou seja, muitas vezes, não se é adulto só pelo número de vezes que se “viveu” o natal, mas, isso sim, a partir de quando se deu à luz – não importa se em casa dos pais ou se em “beco” próprio.

– Saio de manhã p’ra fazer o meu dinheiro. No fim do mês ainda posso apresentar uma quantia boa na minha pasta – insiste a primeira.

– Ele não sabe. Pensa que zungueira é mulher qualquer – diz a segunda.

– Mulher é aquela que não se deixa!

Lá vão os tempos em que o ganha-pão era tarefa só dos homens, quando ninguém engravidava antes de formar seu próprio lar. Mas a coisa mudou como, então? Uns acusam as mulheres de facilitar. Mas outros acham que ter muitos filhos é uma questão de “patriotismo”. Convém explicar: se Angola tem mais mulheres do que homens, é “ético” os “poucos” que sobram fazerem a vez dos demais tombados pela liberdade histórica. É tempo de união e não de ser cototó... ora essa, pá!

E a sobrevivência tornou-se questão de equilíbrio (inclinado) de género, onde a mulher carrega tudo: carrega a criança às costas, carrega o sol na testa quando sai e regressa com ele “nos cornos” à noitinha, trazendo os mantimentos para o dia – porque para amanhã, vê-se amanhã! Enfrenta ainda a ingratidão do marido, que já está com os copos.

E carrega as lamentações das crianças por falta de caderno e lanche, as quais tem que aturar até à hora da novela; depois vem a ordem do marido, que “já quer fazer” e não se lembra que a esposa não teve tempo sequer de tomar um banho e preparar a mente para mais um suor sagrado, muito menos se está no período fértil ou não. “Em casa manda ela e nela mando eu”, pensará o machista de gema, que mesmo com a 4ª classe não aprendeu a mudar de mentalidade.

Conhecem a cidade não pelos monumentos, mas em função dos clientes que se familiarizaram com os seus pregões e produtos. São para o turista uma espécie de paisagem. Levam os supermercados ao portão do habitante preguiçoso, conhecendo pela necessidade a cidade de lés-a-lés. São o rosto visível do fenómeno que lançou a mulher para as ruas dos centros urbanos, no seu dever de produzir para sustentar a sociedade – a mesma que a condenará amanhã por não ter ido à escola e não participar na vida política.

Gociante Patissa (gociantepatissa@hotmail.com)
www.angodebates.blogspot.com

Mais de 35 Professores capacitados em prevenção das ITS

Mais de 35 docentes ao serviço do Ministério da Educação, seleccionados através das suas direcções escolares, beneficiaram de uma sessão intensiva de capacitação sobre o VIH/Sida e técnicas de comunicação, na última sexta-feira do mês. O evento foi co-organizado pela AJS e pela Secção Municipal da Educação, na vila piscatória da Baia Farta, 25 Km da sede da província.

Usando técnicas simples e metodologias participativas, tais como exercício em pequenos grupos, debates e dinâmicas de grupo, a capacitação visou aumentar o número de multiplicadores para informações sobre a saúde preventiva, ITS’s, VIH e Sida, no município da Baía Farta.

Para António Salomão, que falava pela AJS na qualidade de Coordenador do Projecto “Viver Contra a Sida-3, Cidadania e Saúde Preventiva”, a actividade enquadrou-se na projecção de uma intervenção mais consistente e regular junto de escolas daquele município piscatório, na vertente da educação para a cidadania e saúde preventiva. Aproveitou igualmente a oportunidade para agradecer a colaboração do governo, enquanto parceiro número um.

No final da componente pedagógica, os participantes fizeram a fotografia de família, a qual se seguiu o almoço de confraternização. Em terras onde se come “peixe com vida”, nada melhor do que saborear um bom kalulú, com um bom fungi de milho.

Recorde-se que a AJS leva a cabo, desde Setembro do ano passado, dois projectos interligados na promoção da cidadania e saúde preventiva, sendo o “Palmas da Paz”, apoiado pela Embaixada Americana, e o “Viver contra a Sida-3”, suportado pelo programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Praticantes de Karaté em Benguela aprendem novas técnicas

A amizade e o amor pelo karaté reuniram, na província de Benguela, três “raposas” da modalidade, os Mestres Mário, anfitrião, Zeca Santos, vindo da Alemanha, e o Mestre Mando, proveniente da Itália, com a finalidade de oferecer à juventude praticante um refrescamento em técnicas. Três cinturões pretos foram outorgados em duas semanas intensivas, cujos treinos aconteceram no Salão do Bairro da Santa-Cruz e na Casa do Pessoal do Porto do Lobito. Mestre Mário, representante da modalidade de Taekwandoo na província de Benguela, promoveu o evento, marcado pelo cruzamento de três histórias de persistência na vida.

José Santos faz parte do grupo de angolanos que, há 22 anos, foi parar à então República Democrática Alemã por conta do ministério do Trabalho. A residir na Alemanha, Mestre Zeca Santos, como é conhecido, trocou a mecânica pelo karaté, que pratica há mais de 30 anos. Fundou uma academia na especialidade de Taekwandoo, de que tem o 6º DAM.

Mestre Zeca lembra com orgulho que volta a Angola a convite do Mestre Mário, aquele que foi seu primeiro treinador em artes marciais. Não escondeu a vontade de ver jovens mais empenhados tendo como meta a representação do nosso país em próximos jogos olímpicos. “Vi que os alunos estavam um pouco atrasados com a técnica”, considerou. Aliás, também referiu, o Taekwandoo não é modalidade para bandidos, mas sim uma arte que desenvolve não só o corpo mas também o espírito.

Quanto à insipiente participação feminina entre os formandos, Mestre Santos julga dever-se em parte à cultura africana: “Nós, cá na África, quando as mulheres praticam essas artes marciais, muitos pensam que ‘a minha mulher não vai fazer filho ou vai me bater’. Na Europa, temos muitos atletas mulheres. Penso que nos próximos anos vou tentar trazer aqui uma equipa de alemães, que tem também meninas, e as nossas irmãs vão ver como elas trabalham e podem apanhar também aquela vontade”, prometeu.

Já o Mestre Mando, a residir na Itália desde 1989, partilhou com Mestre Santos o mesmo internato, tendo por sua influência optado pelo Taekwandoo.

Reportagem: Bungo Dumbo (Boletim "A Voz do Olho", edição de Agosto)

Especialista considera slogan pessimista e perigoso... "Somos todos HIV positivos, até se provar o contrário"?


E tão pessimista quanto grave, porque, na verdade, uma pessoa segura de si – segura não obstante entre aspas -, dizer que também sou seropositivo até que isso se confirme, diria que isto é perigoso porque levaria a uma atitude comportamental negativa no sentido de se excluir já de toda aquela conduta que seria de prevenção. Porque se eu já digo que “sou portador até que isso se confirme”, o que é que vamos fazer mais em termos de prevenção? Se calhar nada!”

A contestação é da Docente Universitária Natália Mahamba, Psicóloga Clínica e Mestre em Educação Especial, quando participava do debate sobre a situação dos seropositivos em Angola, acolhido pelo programa radiofónico viver para vencer, oferecido às terças-feiras entre 17h-18h30 através da Rádio Morena.

Breve postal da vila da Baia Farta

A vila da Baia Farta, capital do município com o mesmo nome, dista 25 km a sudoeste da sede província. Tem há menos de dois anos como administrador, António Bettencourt, que exerceu o mesmo cargo no município do Lobito.

Segundo relatos escritos, Baia Farta surge por volta do ano 1910, mas a actual vila foi iniciada pelos irmãos António e Agostinho Freitas, os primeiros habitantes de que há memória, e se foi desenvolvendo graças à abundância de peixe, daí o topónimo “Baia Farta”. Ascende a categoria de cidade com o estabelecimento da portaria 14/61, de 13 de Dezembro de 1961. Comporta quatro comunas, Dombe-Grande, Equimina, Kalahanga e Baia Farta, com uma população estimada em 140 mil habitantes, dos quais 33 mil na sede do município.

A açucareira 4 de Fevereiro, há decadas falida na sede da Comuna do Dombe-Grande, representou em outros tempos um vector de desenvolvimento, decorrendo da sua operància como é óbvio, imensos postos de trabalho para além de desencorajar a importação. A Agricultura, umas vezes impulsionada e outras até desgraçada pelas cheias do Rio Kuporolo, e a pastorícia são também actividades de relevo, ou não fossem os "vandombe" criadores de gado por vocação.

Baia Farta é feito pela mística do seu território num ponto inseparável dos mitos da província de Benguela. A comuna da Equimina, por exemplo, dá origem a vários mitos e especulações pelo "simples" facto de chover muito raras vezes ao ano. Já o Dombe Grande é tido como a terra do feitiço, sendo de referenciar a figura do Soba Chiwiyawiya, aquele a quem muitos jovens, hoje adultos, devem o "privilégio" de nunca terem sido alvos das rusgas para o serviço militar obrigatório. Acredita-se ainda hoje, como se fazia no passado e se continuará a defender, que o velho feiticeiro "fechava" a Comuna, fazendo os homens de Maló, o boss do Centro de recrutamento e mobilização perderem a direcção.

Aquele que é pelo seu potencial económico o terceiro município mais importante da província de Benguela está activamente ligado aos demais - se não for por tradição será, seguramente, por força da globalização; basta lembrar que os habitantes que possuam o serviço de televisão por parabólicas são obrigados a se deslocarem a cada três meses à cidade do Lobito para efectuarem o pagamento e a correspondente activação do sinal.

Fonte: Boletim "A Voz do Olho", projecto informativo educativo e cultural dos amigos da AJS - Associacao juvenil para a Solidariedade. Edição Mês de Agosto/2007

Dê suas mãos às comunidades!

Há sensivelmente trinta quilômetros da cidade ferro-portuária do Lobito, na direcção Norte, entre montanhas, situa-se a localidade da Ha...